segunda-feira, 21 de março de 2011

Valorizando a Literatura Cristã

João Ricardo

“Quando vieres, traze a capa que deixei em Trôade em casa de Carpo, bem como os livros, especialmente os pergaminhos” (2 Timóteo 4.13).

Introdução

Hoje estamos comemorando o 47° aniversário da biblioteca Francisca de Paula, e penso que precisamos sempre valorizá-la. Tenho percebido que a cristandade moderna tem negligenciado a leitura de bons livros, e especialmente, tem negligenciado a leitura da Bíblia. Existe algum benefício em ler livros e especialmente aqueles que se destinam à matéria cristã? A resposta é positiva.
Infelizmente os livros teológicos e devocionais não estão mais nas listas de requisitos prioritários na vida cristã. Isso ocorre sob o pretexto, falso pretexto, de que “temos a Bíblia” e “não precisamos de outros livros”. Algumas seitas chegam ao absurdo de impedirem os seus adeptos de estudarem a Bíblia, pois, segundo eles, a Bíblia não nos foi dada para ser estudada, mas para ser apenas lida. Tal perspectiva tem gerado graves erros doutrinários  em nossa época, e em nossas igrejas.
O nosso tipo de cristianismo que temos visto nos púlpitos é totalmente desprovido de conhecimento, e quando considero o texto que citamos acima vemos o valor dos livros para o ministério do apóstolo Paulo. O curioso é que esse apóstolo estava próximo da morte, e ainda assim, queria estudar – como ele era diferente de muitos de nós que estamos no conforto! -; nós crentes reformados (calvinistas) devemos valorizar a leitura de bons livros; a nossa fé nos exige isso – o cristianismo histórico é intelectual.
Por que falar sobre isso? Porque a Reforma foi a maior produtora de conhecimento por meio da literatura, os grandes expositores da Bíblia foram grandes escritores, os puritanos são exemplos titânicos desta verdade, o dr.J.I.Packer, em seu livro “Entre os Gigantes de Deus” diz  que “os pregadores puritanos às vezes se demoravam sobre uma única passagem durante meses ou mesmo anos” e continua dizendo que
O método analítico dos puritanos justifica a extensão de suas obras e exposições – seis mil páginas de pregação em formato de bolso sobre o livro de Jó (Joseph Caryl); duas mil páginas de pregação em formato maior sobre Hebreus (John Owen); cento e cinqüenta e dois sermões sobre o Salmo 51.1-7 (Hildersam)[1].
Tudo isso nos indica que precisamos ler. Por que precisamos ler? Por que precisamos valorizar a literatura cristã de qualidade? Vejamos algumas proposições que quero analisar com vocês nesta manhã

I – Em primeiro lugar é porque os livros podem nos tornar inculcadores da verdade de Deus

Enquanto não compreendermos esta verdade jamais pegaremos um bom comentário bíblico para ler. Considere o apóstolo Paulo. Você já se perguntou por que ele foi um grande mestre na igreja cristã? Por que ele conseguiu inculcar a Palavra de Deus na mente dos crentes? A resposta está aqui neste texto: “Timóteo quando você vier me visitar na prisão, traga-me os livros especialmente os pergaminhos” aqui, pelo exemplo do apóstolo, somos ensinados que devemos sempre Ter uma atitude de estudo constante da Palavra de Deus, ele consultava outros livros, e desta forma, usava o que aprendia neles para melhor transmitir a Palavra de Deus aos homens.
Todo o conhecimento adquirido ele usava sabiamente em benefício da fé cristã. Temos feito quando lemos um bom comentário? O apóstolo lia escritos dos pagãos para confrontá-los com as verdades de Deus e mostra-lhes que a graça comum fazia com que tais homens tinham um centelha da verdade de Deus, este é o caso em Atos 17.26-28).Vemos como o apóstolo usou escritos pagãos para pregar a Cristo e a Deus naquela cidade de Atenas.
Os livros podem nos tornam em inculcadores das verdades de Deus. Somos chamados para realizar essa inculcação da Lei de Deus aos nossos filhos (Dt.6.6-7) e por isso, existe a necessidade dos livros em nossos dias. Os livros nos tornam exatamente naquilo que Deus ordena que sejamos – Inculcadores de sua palavra.

II – Em segundo lugar, os livros podem nos tornar expositores à consciência dos homens

Aqueles que labutam no ministério pastoral sabem que precisamos expor a Palavra de Deus aos homens, precisamos falar a cada um dos nossos ouvintes de uma maneira clara e expositora, por isso, sou defensor de que o melhor sermão que se enquadra a tal realidade é o expositivo.
Os homens precisam ser confrontados em nossas exposições do evangelho. Os livros nos ajudam a cumprir essa missão singular. Eles nos ajudam a expor a Palavra da Verdade com mais acuidade, os bons comentários e livros sobre a exposição bíblica devem ser consultados para empreendermos essa grandiosa tarefa, os que negligenciam este conselho ficarão totalmente desprovidos de conhecimento sólido e eficaz para responder as necessidades vitais do rebanho de Deus.
O nosso Evangelismo deve ser uma exposição clara das Escrituras e quando compreendemos isso de forma evidente podemos, sem sombra de dúvidas, nos tornar expositores à consciência dos homens. Muitos de nós não estamos desafiando os ouvintes através de nossas exposições, apenas estamos entretendo os bodes e esquecendo-se de alimentar as ovelhas. Precisamos falar à consciência dos homens através das nossas exposições bíblicas que podem ser auxiliadas pela boa e saudável leitura!
É precisamente aqui onde precisamos aprender com os puritanos – aqueles grandes leitores e escritores do passado – como nos diz J.I.Packer: “O método expositivo dos puritanos consistia em primeiro apresentar as doutrinas – os princípios concernentes ao relacionamento entre Deus e os homens – presentes nos textos escolhidos, e depois, em aplicar esses princípios... Suas aplicações eram dirigidas à consciência dos homens, isto é, às razões práticas de auto-julgamento, em que a mente pesava as questões do dever, do merecimento e do relacionamento com Deus a cada momento da vida”.
Expor a palavra de Deus aos homens e falar-lhes à consciência é nossa tarefa, e certamente é uma tarefa laboriosa, mas é algo necessário. A doutrina da suficiência das Escrituras não invalida o uso de bons comentários e recursos hermenêuticos para o melhor entendimento das verdades que se encontram nas páginas sagradas. A doutrina da suficiência consiste no eixo para as nossas exposições (2 Timóteo 3.15-17). A grande questão suscitada é como posso expositor à consciência dos homens se negligencio a leitura, o estudo e a compreensão daquilo que a Bíblia ensina? A busca do conhecimento é o meio pelo qual de fato conseguimos realizar uma exposição do evangelho de Deus.

III – Em Terceiro Lugar, os livros podem nos tornar em educadores da mente

Educação é uma palavra muito forte para cada um de nós, esta palavra na língua grega é “paidian” de onde vem a palavra “pedagogo”, “pedagogia”, ou seja, somos educadores. Somos chamados para sermos educadores da mente humana.
Educar a mente dos homens é nossa tarefa, o apóstolo Paulo sabia muito bem sobre isso, e por esta razão rogou a Timóteo que lhe trouxesse os “livros e os pergaminhos”, pois, ele era um educador no cárcere. Foi das prisões que ele produziu muitas de suas cartas. O seu estudo no cárcere não podia terminar, pois, o apóstolo disse que foi chamado por Deus para ser “apóstolo e mestre do evangelho”. Esse mestre deveria educar os homens no caminho que eles deviam seguir.
O crente só pode oferecer algum norte a quem lhe cerca se tiver de fato conhecimento sobre o que a Bíblia ensina sobre determinadas áreas. Precisamos ser pedagógicos em nossas exposições, em nossos ensinos e conversas sobre o evangelho de Deus, mas tudo isso é possível quando nos esmeramos no estudo de bons livros; precisamos ter em nossa mente as sábias palavras de um grande puritano: “a ignorância é quase todo o erro” (Richard Baxter). Precisamos ser educadores neste mundo. Precisamos nos dedicar à leitura de livros que nos ajudem nesta tarefa. Note o que Paulo ordena ao jovem pastor Timóteo: “Até à minha chegada, aplica-te à leitura, a exortação e ao ensino”(1 Timóteo 4.13). Notamos a relação existente entre a leitura e o ensino – a leitura nos torna capazes de ensinar – então, devemos nos dedicar à leitura de uma forma tal a ponto de sermos capazes de ensinar.

IV – Os livros não substituem a obra do Espírito Santo

Neste momento desejo fazer um alerta para cada um de nós nesta manhã. Tenho conhecimento de muitas pessoas que se dedicaram tanto ao estudo de livros que não sabem mais o que é uma leitura devocional com a Bíblia sagrada. Isso significa que estamos invertendo os valores – estamos dizendo que a opinião de grandes homens valem mais que as ordens de Deus – tal perspectiva tem prejudicado a igreja.
Precisamos ter em nossa mente que os livros não substituem a obra do Espírito Santo, e quando um crente ou um ministro esquece isso está fadado ao fracasso espiritual.
A Bíblia é a palavra de Deus inspirada pelo Espírito Santo e apenas ele nos faz de fato compreender determinadas coisas que nem os melhores exegetas conseguem, por isso, precisamos ter uma grande consideração pela Palavra de Deus, deve existir em nós uma profunda necessidade de lê-las com o auxilio do Espírito Santo, assim, como no estudo de bons livros sobre a Bíblia precisamos do Espírito Santo, de igual modo deve existir quando estudamos o livro de Deus. Erudição e piedade não devem ser separadas. Isso é um fato que tem sido negligenciado. Um grande teólogo disse:
Há certamente algo errado com a vida espiritual de um estudante de teologia que não estuda. Mas isto não quer dizer exatamente que tudo está certo  com a sua vida religiosa, se ele estuda. É possível se estudar – mesmo teologia – inteiramente com um espírito secular. Eu disse, ainda há pouco, que o que a religião faz é enviar um homem ao seu trabalho com uma devoção de maior qualidade. Ao dizer isto, eu quis expressar a palavra ‘devoção’ em seus dois sentidos  - no sentido de ‘aplicação zelosa’ e no sentido de ‘exercício religioso’, as duas definições que se encontram no dicionário. Um homem religioso estudará, qualquer coisa que se torne dever seu estudar, com ‘devoção’ em ambos sentidos. Isso é o que a religião faz por ele: falo-á cumprir seus deveres, crumpri-los rigorosamente, cumpri-los ‘no Senhor’...a teologia tem como seu único fim fazer Deus conhecido: o estudante de teologia é levado em sua tarefa diária à presença de Deus, e ali é conservado.[2]
Você pode perceber as palavras de Warfield? Ele está nos alertando sobre um grande risco que corremos – o estudar a teologia por meio dos livros com um espírito puramente secular – precisamos entender que a obra do Espírito Santo deve ser superior as nossas percepções humanas e conhecimentos que não visam glorificar a Deus, mas que visam a nos glorificar – tomemos cuidado com isso!
Ler um bom comentário com olhos de Calvino, Beza, Knox, Zwínglio, Owen é muito bom, todavia, ler as Escrituras com as lentes do Espírito Santo e espírito submisso à revelação de Deus na Bíblia é infinitamente melhor.
Devemos lembrar que não é a autoridade ou testemunho humano que validará a Palavra de Deus. Os livros nos ajudam a entender, mas não servem para autenticar a mensagem da Bíblia, pois,
A autoridade da Sagrada Escritura, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a Palavra de Deus[3].
Então, como o Espírito age nesta relação de Leitura e exposição da Palavra de Deus?
Primeiro, o Espírito Santo ilumina os olhos e entendimentos dos pecadores para compreenderem as verdades de Deus; os livros nos servem como moletas para compreendermos coisas que não entendemos, mas até aquilo que a melhor exegese não consegue explicar o Espírito Santo o faz.
Segundo, o Espírito Santo nos mostra a majestade e a pureza da palavra muito mais que os comentários que lemos. Apenas o Espírito pode nos convencer da autoridade da Bíblia.
Terceiro, o Espírito Santo fala através das Escrituras Sagradas. Alguns têm sustentado que há novas revelações, mas todos os que se dedicam ao Estudo da Bíblia sabem que apenas por meio dela o Espírito Santo fala-nos.
Que Deus possa nos dá grande apreensão pela literatura cristã que nos foi legada por grandes homens do passado e do presente, então, não tenha medo estude os livros que lhe chega às mãos. Amem!

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O autor é formado em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte (SPN) em Recife/PE, atualmente lidera a Igreja Presbiteriana do Brasil em São Raimundo Nonato/PI. Esta palestra foi proferida na Igreja Congregacional Reformada do Brasil em Porto da Madeira (Recife/PE) nos 47 anos da biblioteca da própria igreja, a Biblioteca Francisca de Paula, em 2002.

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Notas:
[1] J.I.Packer, Entre os Gigantes de Deus (Editora Fiel, Primeira edição 1996,São Paulo), p.78,79.
[2] B.B.Warfield, A vida Religiosa dos Estudantes de Teologia (Editora: Os Puritanos, Primeira edição 1999), p.15,16
[3] Confissão de Fé de Westminster, Capítulo 1 e Seção 4.

Extraído do site: http://www.eleitosdedeus.org/vida-crista/valorizando-a-literatura-crista-joao-ricardo.html#ixzz1HEP460L8
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